quarta-feira, 22 de junho de 2016

Teatro de rua.


Decididamente hesitante,ia eu caminhando pela alameda da escrita - esboço vestido de consoantes e vogais desenhadas.
Quando, súbito, uma tentação me atravessa altiva, em marcha sobre o pavimento. Atrás dela, ia o cortejo das dissipações, numa espécie de procissão de muitas indolências de saias e sapatos de fiéis envernizados.

Esperei que passassem - mui respeitosamente.
Como antigamente, quando os comerciantes baixavam a porta de seus negócios para a procissão da Sexta- Feira da Paixão, baixei meus olhos. E, circunspecta, esperei que passassem.
Eram muitos, várias cabisbaixos.
Somente a tentação ia na frente resoluta e imponente.

Respirei fundo até que todo o longo cortejo desfilasse aquele luto, para mim falso e incompreensível.
Depois, voltei a caminhar pela alameda da escrita, impressionada com a argúcia de tudo aquilo que me impedia de atravessar.
Pobre dos meus primeiros e pueris projetos ...


    Fonte da imagem:  http://www.lamarotte.fr/?page_id=392      
          fete-des-fous.jpg

domingo, 19 de junho de 2016

Balão, família, Chico Buarque e Rodin

Desde os meus tempos de criancinha que eu escuto Chico Buarque. O Francisco Buarque de Hollanda que pensei ser filho do moço do dicionário que consultávamos na escola - o "Aurélio Buarque de Hollanda".

Felizmente, posso dizer que venho de uma família amante de música. É com orgulho que digo que meu pai foi locutor de rádio, vocalista de uma orquestra de baile chamada "Ritmo e Penumbra" e que integrava um grupo de serenata. Confesso que não é sem vaidade que conto que minha mãe canta desde pequenina e que meu avô pensava que ela fosse se tornar cantora lírica. Na verdade, gabo-me de com meus pais ter conhecido: Altemar Dutra, Lupicínio Rodrigues, Vicente Celestino, Nelson Gonçalves, Silvio Caldas, Frank Sinatra, Elizeth Cardoso e Jacob do Bandolim, Eydie Gorme e Trio Los Panchos, Gregório Barrios, Elis Regina (no café da manhã, almoço, jantar e nas viagens de carro), Orquestra Tabajara, Glenn Miller, Perez Prado, Dolores Duran, Dalva de Oliveira, Edith Piaf, Orlando Silva, Gal Costa, Clara Nunes, as italianas da década de 60... Ih! Mas, me perdi na vaidade e na digressão! O assunto é Chico Buarque, não é mesmo?!! O aniversariante do dia 19 de junho de 1944!

Meu primeiro contato com Chico Buarque foi numa reunião de família no quintal de casa. Num almoço de domingo em 1983! (Se não me falha a memória). Um primo de São Paulo, visitando o interior, resolveu soltar um balão em plena cidadezinha! (ideia de jerico). Nos preparativos daquele balão azul (não muito grande), ouvíamos Chico Buarque cantar "Mulheres de Atenas", " O meu guri", "Tanto amar"...
Nova digressão: Lembro-me de que, no lugar de "Em Manágua temos um chico", eu e minhas irmãs cantávamos "numa anágua temos um chico", achando que Chico Buarque falasse de alguma moça que estava "naqueles dias".

Mas, Chico Buarque foi interrompido quando pararam a fita no rádio para que, em coro, entoássemos familiarmente "O balão vai subindo, vai caindo a garoa" 
"- Ai, minha Nossa Senhora!!!" Atropelava repentina e desesperadamente aquele momento junino a minha tia mais velha: o balão tinha se enroscado no fio de alta tensão da rua!
"- Para o assoalho, para o assoalho!!!" gritava  meu pai desesperado para depois correr atrás do primo lá na rua, acho que bem aflito (Só acho! Porque não vi mais nada!)

Não me lembro, do baixo dos meus 4 anos, de como aquele almoço com o balão fatídico terminou! Só sei que ficou na minha memória o Chico Buarque com suas "Helenas" e "falenas" e seu guri com "venda nos olhos e as iniciais". Naquele domingo, registrava-se uma das minhas mais tenras e ternas memórias musicais...


Em 1995, houve uma exposição do Rodin na Pinacoteca de São Paulo. Da minha cidadezinha saiu uma excursão organizada por uma querida amiga, aliás, falecida em fevereiro deste ano: a Cacilda que sempre amou o teatro, a música, as esculturas, as pinturas... Cacilda me apresentou à "Grande sombra", a primeira escultura que víamos assim que entrávamos naquele prédio tão bonito! 




Quando fui arrebatada por aquela estátua colossal, tive meu primeiro déjà vu! Aquela estranha sensação, assim como o caso do balão, também aconteceu num domingo. "Minha história - Gesu bambino" era o tema musical que dava o tom àquela experiência em que me sentia temporariamente suspensa do meu cotidiano de adolescente do interior. Meu compositor favorito cantava para mim do meu moderníssimo walk-man, enquanto da janela do ônibus, eu contemplava a paisagem da estrada.


Ouvir com os olhos, ver ouvindo

"CONSELHO"
Cerca de grandes muros quem te sonhas.
Depois, onde é visível o jardim
Através do portão de grade dada,
Põe quantas flores são as mais risonhas,
Para que te conheçam só assim.
Onde ninguém o vir não ponhas nada.
Faze canteiros como os que outros têm,
Onde os olhares possam entrever
O teu jardim como lho vais mostrar.
Mas onde és teu, e nunca o vê ninguém
Deixa as flores que vêm do chão crescer
E deixa as ervas naturais medrar.
Faze de ti um duplo ser guardado;
E que ninguém, que veja e fite, possa
Saber mais que um jardim de quem tu és —
Um jardim ostensivo e reservado,
Por trás do qual a flor nativa roça
A erva tão pobre que nem tu a vês...

(Fernando Pessoa por ele mesmo)

***

Após ouvir com os olhos versos de Pessoa que veem o que ouço do meu verso,
Gostaria de... não, não quero mais. Já que tua resposta talvez seja rima pobre... metáfora rota...
Não sei mais onde imagino tuas mãos em mim...
É bem provável que eu as imagine feitas no ar que minha memória não apreende...
Não, não gostaria mais de

Meu desejo hesita. O que sinto desiste confuso. Pára. E ali resta.

Meus olhos fixos no cerne de minhas dúvidas.
Aceitando e me perdendo no paradeiro desta escolha triste. Trajada de abnegação  francamente
tecida por fios de falsa alegoria.
Contemplo a vontade de falar-te. Velo a intenção que jaz insepulta no esquife ineficaz do esquecimento.
Te procuro. E te encontro na inércia do meu Amor frio de medo,  defronte para as certezas da desilusão.



Tela: "Os jardins da Villa d'Este" - Karl Blechen - 1830 (National Galerie -  Berlim)

terça-feira, 7 de junho de 2016

Suplemento de ganho de massa: nem hoje e nem amanhã.









Manter a boa forma das expectativas, fazendo ginástica na academia das aspirações
é um esforço insalubre!
Que venham as vilipendiosas calorias
dos niilismos em excesso.