quarta-feira, 10 de maio de 2017

Variações

Houve muito vento.
Vento. Vento forte. Ventania!
De uma ventania de bater janelas velhas e moças.
Foi como contemplar a força da natureza enquanto descontrole.
Pobres folhas tenras... pobre renda portuguesa... pobres folhas sem nomes... pobres folhas secas e bastardas.
E de ventania fez-se ciclone às vezes. Girando casas e vacas. Vitrolas, moscas desavisadas e também passarinhos.
Meu cata-vento manco. De pás inválidas.
Poeira. Terra ainda cobrem os olhos de fuligem
e os olhos fixos de braços cruzados.
É como contemplar a beleza das tempestades. A beleza dos furacões transtornados pelo efeito concomitante das brisas.
E o galo dos ventos não anuncia a hora.
E a rosa dos ventos fica zonza com tamanho barulho de sopro.

Houve muito vento.
Vento. Vento forte, vento havia.
E ainda há tempestades de papel de seda
com toda a escrita.

"Tempête de neige et mer" - William Turner

sábado, 6 de maio de 2017

"nele descansou depois de toda a obra que empreendera na criação."

O vazio.
O branco incolor da tentativa de alguma expressão.
O pensamento se cala e, no entanto, supõe alguma consciência de algum ritmo indiscernível.
Na rua. Sangue de pólen e veneno. Na rua. Uma árvore ontem abraçou o interstício entre céu e asfalto.
Na rua João de Barro é sem teto. Mendiga algum pedaço de terra por aí.
As aves, os insetos, a terra. Tudo está manchado de aço e dentes. Tudo se atropela pela retidão do alicerce.
Quem a mata?
Quem o verme?
Quem deixa suas mãos e braços cansados?
Quem se caleja e deixa pela rua um gosto de amputação lenta?
Tudo se mancha de esquecimento. Tudo se suja, enquanto a respiração não pára.
Há baile na rua agora. Regado a um canto lúgubre de mulher que se veste de deus que crê em sua voz (crê?)
E nada medra.

Escuto.
Estou ordenada a ser servida a este presente que elaboram, ainda que não se dêem conta da profanação desta festa.
Celebram.
Comem.
Engolem.
Pó.
Regurgitam clorofila pisada.
Escuto. Ouço. É necessário estar no agora daqui.
Sou parte da plateia desta arena.
Ao espetáculo hediondo meus aplausos invertidos. Todo meu reconhecimento anti-horário.
Estou presente. Ouvinte intimada.
Minhas mãos escrevem o que nem direito encerram.
Sou eu. Raízes e galhos mutilados.
Eu sinto muito todos os meus pêsames.
Morro também com o peso da chacina de lei por terra.
Sou esta árvore.