quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Correio!

Cecília, desculpe incomodar-te do diáfano de tua nuvem, das formas aquáticas de teu passa-tempo, da profundeza aérea de teus compromissos. Mas, somos amigas íntimas! Embora, mui respeitosamente, eu obedeça com amor a hierarquia de mestra e discípula. 
Não sei bem como ir diretamente ao assunto. Sabes dos meus invisíveis e é tão reconfortante sempre constatar que não há necessidade alguma que eu os explique. Sempre entendes cada detalhe do meu silêncio, bem como a pergunta principal deste agora.

Por que?

Deste-me? Uma ponte que se acaba antes mesmo de projetada. Um elo feito de semi-sono, semi-acontecimento só feito de inconclusões e de veredictos impalpáveis...
As lembranças, agora ornadas dos esquecimentos os mais transparentes, ainda são presentes embalados em belas caixas abertas onde não se encontra nada. E como ainda brilham...

Sob o tule, 
foi um diamante? Um rubi azul? Uma esmeralda amarela? Água marinha doce? Lápis-lazúli sem ponta? Miosótis secos... Flor de sal com aroma de cânfora esquecida... Sentimento.

Sei de teus ensinamentos enigmas. Felizmente, tenho familiaridade com tuas explicações de ventos sobre areias - em cada grão alado e mínimo, um entendimento. Sei também que fantasmas sentem sono, cansaço e necessitam de seu tempo sem número sozinhos. (Não quero, em absoluto, perturbar suas sestas) Mas, cara amiga-mestra, há um em particular que se coloca insone e creio que seja eu mesma quem não permite seu descanso... Também! Por que tanta poesia?
Gostaria muito de compreender a cadência da valsa das saudades...
Há casais que rodam elegantes no vasto salão de meus olhos fechados. Há também músicos e violoncelos ressoando o interminável da música jamais existida de tão audível...
E é belo. Talvez a mais bonita dentre as ficções verdadeiras. A pureza mais genuína das farsas. A supremacia absoluta da ilusão mais justa. Certamente, um epigrama perdido no reinado dos contos.

Compreendo outra vez. Indiscernivelmente. 
Como és paciente com minhas dúvidas! Com minhas curiosidades renitentes! Tu hás, minha Mestra, de me explicar tudo outra vez! E eu hei de te dizer, de novo, "muito obrigada!"
Ainda bem que sempre me recordas que "Tenho vários séculos de idade, e sou como um pré-escolar." Não ouso pedir que sejas mais clara! (esta minha mania de superlativos, sei que bem entendes).
Abraço profundo em poesia! Aliás, vitalício!

De tua agradecida fiel aluna porta-estandarte,

                                                                                Imaginauta.


domingo, 14 de outubro de 2018

Você precisa ser forte

E, alada, leve, sobre a dor que choras,
Sem qu'rer saber de ti a tarde desce...
Fernando Pessoa

Na ocasião de uma perda, no momento mais pontiagudo ou mais átono da dor , com frequência ouvimos: "Você precisa ser forte!"
No jardim das pedras, onde pedestres invisíveis por suas ruas se presumem, caminhamos em direção à campa: um quadrilátero de cimento e cal que em nada se chama poesia.
Ouvimos somente os passos do cortejo, o ritmo anônimo de um compasso único. E, novamente, o mesmo conselho ainda que não pedido: "Você precisa ser forte."

Hoje, pela manhã, senti que algo de mim está morrendo. Algo de há muito velho, cansado de obsoleto. Por um bom tempo, meus olhos ganharam uma espécie de luz e sombra de exéquias indiscerníveis.
Senti vontade de visitar o cemitério e olhar incompreensivelmente a dor.
Não o fiz.

Permaneci firmemente hesitante onde estava. Da janela, presumi as nuvens cinzas que desciam as cortinas no céu suavemente enlutado. Escolhi ficar de olhos fechados.

Pausa respirada...

Até que aos poucos, fui compreendendo que era o movimento que me chamava. Aliás, para um onde que, não necessariamente, seria aquele antigo lugar que há muito me serviu de alívio controverso para meus males ignorados.
Não era o jardim das pedras,  mas o movimento que me queria com ele.
O movimento!

Um passeio de bicicleta pela cidade em que tudo medra com certa resistência ao avanço; onde muitas pessoas tentam lhe colocar casas iguais e muros enormes; onde grande parte dos moradores insiste em dar-lhe um uniforme ao estilo de glamourosas fardas fechadas, com medalhas em honra ao mérito de algo esvaziado... Bem, felizmente, esses munícipes ainda são vencidos por algum mistério impassível. Não sei por quanto tempo a reiteração do ermo ainda defenderá o último arrebalde...

Um movimento por caminhos mais ou menos íngremes me conduziu a rever  montanhas mais ou menos modestas que circundam minha cidadezinha. Algumas muito preferidas...
Aí começaram as histórias.

...

Passeando por meus movimentos,
tendo como único som o ruído da bicicleta,
que me fazia lembrar do som daquelas rodas,
que levam a perda para o definitivo,
que, aparentemente sepultado,
sempre será chaga exposta.


Fui concluindo sem cessar:
_ Por que é que se precisa ser forte somente no agudo da profunda tristeza? Por que é que se tem de ser forte para esse definitivo que não me parece autêntico?
No passeio, sentia minhas pernas tão fortes para mim, na intenção de me levar a ir ver o mar! Ou parte dele numa única grande onda de pedra!


Révolte-toi La montagne aussi est une colère. 
Voyons la hauteur de la tienne!
                                                                                                        (Villiers)


Continuei concluindo sem cessar que "o preciso ser forte" podia então ter muitos jeitos! Podia até ter uma bicicleta numa manhã nublada de um domingo qualquer de outubro, com cigarras por perto e florezinhas baldias de um silêncio sozinho... Foi quando diante dos meus olhos, como nos sonhos, desconhecidos apareceram de mãos dadas perto da rua para o fim do mundo para depois sumirem.

O "ser forte" tinha a cara daquela  manhã umedecida, num passeio feito de muitos aromas:


No cedro e na rosa,
o gesto da brisa.
(Cecília Meireles)









Mas antes, eu já havia passado por cavalos e também pela confraria de vacas que trocavam entre si suas ruminâncias... (influência de Guimarães Rosa).
Vi também a crina de um belo cavalo marrom  que não era "reta, curta e levantada, como uma escova de dentes." ("O burrinho pedrês"). O cavalo tinha uma linda franja aloirada e lisa que, aliás, ia muito bem com o conjunto da obra ornada de liberdade  numa pelagem ruiva.

O mais  do movimento me deu a perceber como é possível  que "o ser forte" enfeite um pouco aquelas tristezas que aparecem de vez em quando, sem qualquer aviso prévio.
Fui indo considerando (sempre sem créditos no fim, porque não tem mesmo final) que os poetas sempre foram os que coloriram a minha vida desde o começo. Poemas e  histórias se dão para mim em livros, canções, pinturas, mas também ao vivo. Sob diversas formas palpáveis, ou em lembranças de palavras que são fantasmagorias amáveis.
*

A mesma cena com protagonistas diferentes:








Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois
Que vem a chiar, manhaninha cedo, pela estrada,
E que para de onde veio volta depois
Quase à noitinha pela mesma estrada.

Eu não tinha que ter esperanças — tinha só que ter rodas...
A minha velhice não tinha rugas nem cabelo branco...
Quando eu já não servia, tiravam-me as rodas
E eu ficava virado e partido no fundo de um barranco.

Ou então faziam de mim qualquer coisa diferente
E eu não sabia nada do que de mim faziam...
Mas eu não sou um carro, sou diferente
Mas em que sou realmente diferente nunca me diriam.
(Alberto Caeiro)

Pouco mais adiante:


Pergunto coisas ao burití; e o que ele responde é: coragem minha
(Grande sertão: veredas)



 



Cada imagem me abastecia com ideias futuras que, ainda que não se concretizassem, não deixariam jamais de ser ideias... Durante todo o tempo, elas me lembravam o "ser forte" de um jeito diferentemente verdadeiro para mim.

A vontade de voltar para casa não estava mais demorando em aparecer, mas,  nova descoberta se pôs bem ali na minha frente , à espera de dar a conhecer certos atributos tão instigantes quanto solenes. (esta senhora devia estar perdida por algum soneto desconhecido):






O que fazia essa senhora era perpetuar em longos versos o insólito daquela rua bem no meio da coordenada para nenhum lugar (isso conferiu mais graça ao passeio).

De qualquer modo, quando "uma mosca resmungou atrás de mim" (Cecília Meireles), quis retornar pra casa. Voltar para contar para mim e para algum distraído sobre as considerações de "ser forte". (Será que ainda existem pessoas movidas pela doçura de estar triste, sem que para tanto deixem de ser alegres e agradecidas?)

Em casa, cada vez mais, decidi me tomar pelas mãos, aquiescendo atentamente o conselho de "ser forte".  Ser forte para tudo quanto é momento, especialmente para além daquele decreto de o ser. Ser forte num momento em que ninguém requeira que eu o seja. 

Forte que vai inventando melhor parte de mim por algum instante qualquer.

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Livre mundo da associação livre



Está definitivamente aberta a sessão "Livre mundo da associação livre", já que ele (o livre mundo da associação livre) sempre esteve lá e sempre estará!




Por que será que quando olho para este cabeludo, me dá vontade de ouvir "Detalhes" do Roberto Carlos?




domingo, 2 de setembro de 2018

Linha de montagem

A linha tênue das possibilidades.
A tênue linha das capacidades que se intercomunicam, se abalam, se edificam
A linha de uma pipa em forma de balão...
A linha de chegada sempre adiante,
A linha de partida que nunca começa.

Sou meu brinquedo multifuncional
mas, não sei para que servem estas tantas mobilidades que
pelo que sei, não vêm descritas no modo de uso.
É bem verdade que não vim com modo de uso. Ou será que perdi meu manual de instruções?

O manual de instruções existe bem guardado e estou certa de que de papel é que não é.
O manual de instruções é o dia dos minutos e das horas. E o tempo não me diz o que, nem como se monta. Mas, que é possível ver o brinquedo funcionando. Ou pelo menos parte dele...
Parte dele que descubro, que pensei ter desvendado. E não!
Porque aquela função descoberta tem outro detalhe, outra capacidade, outro encantamento.
O que o modo de uso me dá -  o modo de uso do tempo -  é descobrir que tem mais coisa que não conheço naquela parte.
E têm tantas outras partes...

O brinquedo que sou fala, mas ultimamente tem me mostrado formas variadíssimas de silêncio.
Boneca, barco, pipa, microfone, aquarela, máquina de fazer sorvete, pipoqueira, gravador, triciclo, bola, quebra cabeça de 10.000 peças que se movimenta como cataventos e que não precisa de pilhas.

E descubro outra coisa que não sei de maneira alguma o que é que faz! Nem como e muito menos quando!
Tudo criptografado no manual de explicações que não é de papel e nem tem letra miúda.
Jogo sem loja autorizada, mas que certamente é reciclável.
Um brinquedo indicado para todas as faixas etárias. Que, sem sombra de dúvida, deve conter em si peças mínimas de encaixe que demandam cuidado, enfim, paciência de valer a pena.
E, opa, virou um cavalo! E opa, serve de regador! E agora um balanço de lápis de cor! Violão de giz de cera. Trapézio. Palhaço. Massinha. Patins.Sapatilha de ponta. Perna de pau. Mola. Telefone sem fio. Apito. Avião. Microscópio.

A única indicação consiste em nunca parar de encontrar as peças certas para o modo desejado. Pois, o modo de operação perfeito se refaz e se põe tanto mais adequado de acordo com as tentativas.
E outra descoberta, cada vez mais com coisa nova.
E outras chaves, novas peças,
desconhecidas engrenagens para mais surpreendente jeito de brincar sério.
O sério de se multiplicar em infinita brincadeira portátil
Interminável.




sábado, 18 de agosto de 2018

Acuso-me de viver no reino de uma mentira.
folhas,
presença,
passarinho,
canção...

Nada disso cabe num mundo onde nada rima.

Então, sacudo de minha cabeça estas notas que ousam me tocar em fermata.
Procuro, em vão, corresponder aos avisos.
Os compromissos me fazem crescer e crescer tem hora marcada o tempo todo.

Quando me sinto só, um somente em que a paz de um nevoeiro em nada supre.
Em nada encanta o por do sol da minha janela,
nem folhas, nem música, nem silêncio não me suprimem,
Lembro-me de uma mentira ideal.
Mentira ornamentada de desejo já bastante antigo e entristecido,
Um desejo cheirando a cômoda emperrada em casa de avó, ou de mãe, ou de quem quer que seja a desconhecida...
Em meu antiquário de mentiras, tendo só a mim como visitante,
Guarda-se uma única peça.
Minha ilusão caleidoscópica,
para todo o dia descorado que me doer como ideia.

terça-feira, 26 de junho de 2018

Percurso

Procuro, procuro, procuro...
solto,
consinto, 
sigo

O que sou eu,
dá um jeito de me achar.

terça-feira, 5 de junho de 2018

Tristeza abstêmia.

Não me lembro se foi Platão ou Plotino ou Sócrates que disse que nascer, isto é, estar na vida, é de fato estar morto. Creio que eu tenha ouvido em alguma conferência essa afirmação de que nunca mais me esqueci. Sou alguém que tem grande facilidade pra se colocar triste. De repente, a tristeza mora ao lado. Mora em frente ou vem sentar-se junto de mim. Tomamos chá, comemos bolacha. Não assistimos a filmes nem a séries de hoje em dia. A tristeza é tão amiga íntima, que escrevo este texto com o "nós". A tristeza e eu. Eu e a tristeza. Tento me lembrar agora, quando foi que eu a conheci. Acho que desde que me conheço por criança.
Inspirada por Proust que aprendo a conhecer, aproveito sua visita para sondar, entender o que é que comigo se passa... E a tristeza de hoje - nem sempre acompanhada dele, mas, hoje sim, vem ver-me junto com um sono secular -  o que me faz lembrar  de Fernando Pessoa, Álvaro de Campos, Bernardo Soares. Eu bem poderia consultar algum caderninho para transcrever aqui suas palavras. Mas, como já disse, estou com sono e estou triste. Eu estou triste e estou com sono. E, é bem capaz que eu durma quando eu me virar pra ir atrás do caderninho. Aliás, já sinto um bocejo sem forma. É melhor deixar pra lá.
Uma vez, estava lendo as correspondências que a Cecília trocou com uma amiga. Lá foi a primeira vez que li o termo "distúrbios vagotônicos". Essa expressão me chamou tanto a atenção, que fui pesquisar mais a respeito pela internet afora. Descobri que Vinicius de Moraes sofria de vagotonia e Aracy de Almeida também. Eu poderia transcrever aqui o significado de "distúrbios vagotônicos", mas, estou com sono e nem sei mais se estou triste. É...a tristeza minha muda de cara, de roupa, de forma, de discurso: muitas vezes se transforma em música (mal tocada ou bem ouvida). A minha tristeza se transforma em texto que gosto e desgosto, às vezes se transforma em sono mesmo, mas, sua constância em mim se apodera de um enorme silêncio. Um silêncio que abre um livro qualquer de pintura ou de poesia.

O fato é que o fato de minha tristeza, hoje, veio ornado de gravata borboleta vermelha e paletó gris. Não estou certa se o acompanha o chapéu côco (é bem provável que o fato da tristeza seja completado do chapéu côco...) E muitos pensamentos aparecem...Eu poderia transcrever e discorrer aqui sobre a coleção favorita de pensamentos que, distraída e apaixonadamente desenvolvo. Mas, minha tristeza  - que, aliás, creio que já se sentou mais pra adiante porque entediada com toda essa expressão mal posta - mudou outra vez. Acho que até dobrou a esquina. Que esquina? Hum...deve de ser a do ângulo de palavras esquisitíssimas. O canto onde giram todas as incoerências. A esquina onde se espera o pasmo diante do nada que é estar morto quando se vive. Que coisa! E que coisa é lutar nessa experiência de morte da total integridade - que é viver -  com o intuito de manter minimamente a natureza íntegra. QUE COISA! Interessantíssimo tudo isso. É!
Bem, acho que não escrevi tudo o que queria,  muito menos do jeito que esperava! Mas, tudo bem também. Pelo menos, sinto-me menos desacompanhada da minha tristeza. Essa tristeza minha que jamais saiu pra comprar cigarros e nunca mais voltou!

terça-feira, 8 de maio de 2018

Entreato


Ter, na sombra,  aquela fidalguia da individualidade 
que consiste em não insistir em nada para com a vida.
(Livro do desassossego)




às vezes,

              não tenho paciência com os sons. Quaisquer.

me cansam também as imagens, como o sol com seu céu azul pontual

todo dia sempre belo,
e as flores minguam porque a terra se empoeira
e as folhas de verdes que eram, tornam-se cores dobradas, esquecidas pelo chão onde as formigas não passeiam.


É quando às vezes me sento, sob minha mão que sustenta a circunspecção dos músculos perplexos:
o que sei fazer de melhor é estar absorta.

Por-me sentada ao abrigo dos meus olhos, à sombra de cortinas castanhas fechadas, a qual para este sol lhe dá as costas.

Agora,
estou diante do inevitável deste instante, como partícipe das despedidas
e a impressão que tenho é que, dentro em breve, virão buscar a hora para colocá-la no pra sempre.

Chego antes das minhas lágrimas. Não sei se incomodadas com o imprevisto,
se ausentaram porque não mais inesperadas.

Indiferente.
As lágrimas me colecionam a todo momento
aguam a esperança que se perdeu do mapa guia das mágoas,
escorrem perdidas pelo átrio das solidões,
e depois voltam a secar.


quarta-feira, 2 de maio de 2018

Le guetteur mélancolique









Et toi mon coeur pourquoi bats-tu
Comme un guetteur mélancolique
J'observe la vie et la mort.

(Appollinaire)



E você meu coração por que bate você
Como um vigia melancólico
Eu observo a vida e a morte.






"Roda infantil" - Cândido Portinari,1932

domingo, 29 de abril de 2018

Trova do campo

A João Antonio Pires, meu pai.



A lágrima que escorre percorrendo não é de quentura triste.
Desta vez, cálida, molha meu rosto de um fino caminho ritmado
lentidão reta que, nem portanto sabendo do abismo para o qual se precipita,
desiste de umedecer minha face.

Nessa gota longínqua, do tamanho do meu pequeno rosto e do grande dos olhos,
cabe tanta música de saudade
cabem riachos, estradas de fim incerto, canções, melodias de um inocente céu estrelado.
cabe rima cujos versos só eu mesma entendo
mas que, na verdade, eu sempre ouvira.

 Agora sinto compreendendo - da amplidão de todo amor,
A síntese da sua poesia.
que é luar, árvores, canção
e que é fonte a da minha.

quinta-feira, 26 de abril de 2018

Recueil - Terre à bonheur, 1952





J'ai vu le menuisier
Tirer parti du bois.

J'ai vu le menuisier
Comparer plusieurs planches.

J'ai vu le menuisier
Caresser la plus belle.

J'ai vu le menuisier
Approcher le rabot.

J'ai vu le menuisier
Donner la juste forme.

Tu chantais, menuisier,
En assemblant l'armoire.

Je garde ton image
Avec l'odeur du bois.

Moi j'assemble des mots
Et c'est un peu pareil.

(Eugène Guillevic)

Résultats de recherche d'images pour « Léger Objets dans l'espace 1928 »Ferdinad Léger

domingo, 25 de março de 2018

A espera

"L'espérance d'être soulagé 
lui donne du courage pour souffrir."

Marcel Proust


"Cyrano de Bergerac chega mesmo a proclamar
a fraternidade entre o homem e as couves, 
imaginando nestes termos
o protesto de uma delas ao ser arrancada da terra."

Italo Calvino


Há quem espere a chegada de um ônibus, demorando boa parte de seu tempo nessa postura ora sentada ora em pé, mas constantemente entediante. Há aqueles que esperam a chegada de um filho que já nasceu ou prestes a nascer. Há outros tantos que esperam a vinda de um novo amor ou da próxima semana, do outro dia e do milênio seguinte.
Há também os que aguardam o anúncio do próprio nome numa sala de espera onde, na maioria das vezes, existem revistas do último réveillon da celebridade da vez e a televisão a emitir assuntos cuidadosamente aleatórios a qualquer explicação que confira sentido em permanecer ali existindo.
Hoje passei grande parte da minha existência à espera de presenciar o nascimento das primeiras estrelas. Sei bem que essa coisa de 'nascimento' na verdade é duvidosa, uma vez que esses brilhos ficam no céu o tempo todo morrendo, colidindo, locomovendo-se anos-luz na nossa frente. Mas, passei tempo da minha existência à espera daquelas estrelas vespertinas, numa espécie de testemunho desses corpos celestiais mais ousados que, a despeito do reinado do sol (ou do processo de partida dele), não se sujeitam ao breu completo para mostrar seu fogo azul, prata, vermelho, amarelo intermitente.
Deitada, passei tempo no exame da espinha dorsal das antenas nos telhados, admirando a insólita comunicação entre a concretude das hastes de metal e das tais ondas: máximas representações de abstracionismos vários.
Esperei a pressa dos pássaros à procura de abrigos já familiares.
Esperei a velocidade do vôo, temendo a preponderância da treva prenunciada por alguma voz de rapina que gritava de um canto já escuro.
Tudo isso, após colocar-me ao lado de plantas cultivadas ou daquelas partidárias da rebeldia espontânea de polinizações desimportantes, daninhas. 
Por muitos instantes, não vi diferença alguma entre meu existir e o existir de folhas, espinhos, galhos secos e nascentes, pequenos besouros anônimos e dos passarinhos. Aliás, um beija-flor chegou a voar parado bem perto: Absoluto.
Todos acolheram a demora, numa espécie de versão inabitual. E não houve quem não se pusesse no mundo de forma indiferente a apenas estar. Sem qualquer outro propósito. 
Todos estiveram e tornando-se  estão os mesmos outros o tempo todo. 

Em todo o tempo.

domingo, 11 de março de 2018

"Da saudade"




A natureza da saudade é ambígua: associa sentimentos de solidão e tristeza, - mas, iluminada pela memória, ganha contorno e expressão de felicidade. Quando Garrett a definiu como "delicioso pungir de acerbo espinho", estava realizando a fusão desses dois aspectos opostos na fórmula feliz de um verso romântico.
   Em geral, vê-se na saudade o sentimento de separação e distância daquilo que se ama e não se tem. Mas todos os instantes da nossa vida não vão sendo perda, separação e distância? O nosso presente, logo que alcança o futuro já o transforma em passado. A vida é constante perder. A vida é, pois, uma constante saudade.
   Há uma saudade queixosa: a que desejaria reter, fixar, possuir. - Há uma saudade sábia, que deixa as coisas passarem, como se não passassem. Livrando-as do tempo, salvando a sua essência de eternidade. É a única maneira, aliás, de lhes dar permanência: imortalizá-las em amor. O verdadeiro amor, é, paradoxalmente, uma saudade constante, sem egoísmo nenhum.



(Cecília Meireles - Crônicas em geral)

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

"os grandes gestos da aristocracia da individualidade, 
o capa e espada sem balcão"

(Livro do Desassossego)

Dou-me o luxo do pasmar-me constante e subitamente.
Escuto todos os sons, inclusive aqueles que se supõem inaudíveis porque se apressam.
Às vezes, digno-me a estar em lugar algum bem na minha frente.

Soletro palavras tortas
Pelo avesso das tentativas de serem legíveis, pronunciáveis
Renuncio as expectativas.
Dou-me o luxo do pasmar-me em lugar nenhum.

E fico com algumas letras, na companhia do que subsiste somente de ideais fantasmagóricos.
De gente que nunca existiu de fato e que sempre arrastou seus andrajos perfeitos.
Seus andrajos perfeitos... e rotos impassíveis.

Não estou para ninguém que se dobre
que está para as mangas amarrotadas,
que limpa os pés em capachos de seda e bebe aguardente em cristais da boêmia em pleno meio dia torpe.
Estou em toda parte a segurar um copo vazio que se esqueceu.
Não estou e por isso as pálpebras me pesaram de suas franjas sinceras em desalinho.
Não estou.
e nunca estarei neste agora áspero do qual sorvo apenas
abandono.

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Temperalturas

Lábios de navalha que os meus tocam sem sangrar
Beijos em cacos de vidro.

Lâminas vertidas em pétalas
Um caleidoscópio úmido,
tépido,
cortante,
Tão mais macio quando se prolonga.


                                                                                                detalhe: "Alegoria do triunfo de Vênus"

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Pausa

Causam-me grande impacto as verdades e a beleza.

Quando contato algo verdadeiro ou o formato vário da beleza,
fico zonza. Meu ser pequeno se perturba e teme não suportar a descoberta.
Assim,
é necessário que eu pare um pouco e retorne às 'banalidades', às menorizações diversas para que eu retorne outra vez. Pequena.

Tenho medo de ser tragada ou devorada pelo grandioso que mora em mim e de quando a janela se abre para a correspondência com a infinitude lá fora do daqui de dentro...