segunda-feira, 13 de maio de 2019

O Clube do Cansaço Simbolista




_ Está aberta a assembleia dos membros do "Clube do Cansaço Simbolista". Com a palavra, o senhor diretor em constante estado de espírito ausente. Não, senhores, o senhor diretor não se expressará fazendo o uso ordinário das palavras. Ele prefere a eloquência do silêncio.

(Silêncio longo)

_ Alguma pergunta? O senhor de andrajos imperais ao fundo do recinto me pareceu querer se expressar?
_ Não! De modo algum. O movimento que fiz com minhas mãos foi meramente contemplativo. Ando refletindo sobre a estética natural dos dedos esquerdos, sem que esses estejam adornados de anéis. Os anéis se foram com a fortuna perdida e só me ficou mesmo a nua companhia de meus anelares...
_ Entendo perfeitamente, senhor! Mas, peço o obséquio de ater-se mais atentamente a seus gestos a fim de não confundir essa assembleia já por si mesma dispersa.
_ Ah, sem dúvida! Peço desculpas!
_Desculpas aceitas! Na verdade, queira o senhor perdoar meu tom autoritário... Certamente, seu ato contemplativo desperta maior interesse do que minhas intervenções controladoras. Aliás, acrescento que os gestos de suas mãos contribuíram em muito em prol dos nossos propósitos.
_ Imensamente agradecido, senhor!
_Não há de que!

(Novo silêncio)

(Após certo tempo)

_ Escuto um assovio...
_ Perdão, caro colega à esquerda de quem passa e jamais nota! Quer se colocar?
_Digo que ouço um assovio!
_Pois não?
_ Sim... Talvez um assovio cantarolantemente interno, cuja intenção rememora as belas sinfonias dos tempos idos.
_Interessante colocação, senhor (acrescenta um deles a segurar uma lira quebrada de cordas enferrujadas). _ O senhor me fez rememorar as belas palavras de Villiers no conto "Véra"... (pausa para hesitação). _ Gostaria tanto de me lembrar delas com precisão, mas, como vivo constantemente embriagado de virtude,  minha memória se coloca feito um cálice cheio de esquecimento.
_ Imensamente grato por sua observação desmemoriada, caro amigo! Afora o esquecimento, a correspondência é o que importa!
(Ambos sorrisos cúmplices e melancólicos)
(Novo silêncio) (Após certo tempo) ...
_ A resposta é não! (diz um outro membro deitado no assoalho em decúbito dorsal e de cabeleiras negras esparramadas ).
_ Como disse, senhor?
_ Disse que a resposta é não. Creio que a alma dos violoncelos não é levada com o grito de uma corda que se rompe! A resposta é não para o questionamento de Villiers.
_ Concordo com o caro colega - acrescenta outro membro que mais parece o fantasma do antigo regente da "Filarmônica do Eterno Réquiem".
 _ A alma dos violoncelos com a corda que se rompe não é levada, mas queda-se na errância da eternidade dos tons menores ou, talvez,na obscuridade de certos "Noturnos" magoados com a indiferença de algum ouvido solar...

(novo silêncio)

Então, a assombração de uma dama de olhos naufragados erra pela porta da direita, prenunciando o fim da sessão de mais uma assembleia do "Clube do Cansaço Simbolista". Carrega em seus braços um ramo de palmas brancas já esmaecidas, à guisa de uma ata inconclusa. Todos se levantam, mas, resistem em suas posturas de "Não".
E sentam-se outra vez sobre a desesperança resultante de todas as convicções irremediavelmente inabaláveis.

***


Literatura incidental de principal importância:
O poema "Embriagai-vos" de Charles Baudelaire.
O conto "Vera" de Villiers de L'Isle-Adam