segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Ih! Pasmei!

 Mas por que sempre lembrar essas coisas longínguas?

A verdade, porém, é que há uns dias inesquecíveis,

uns fatos inesquecíveis, dentro de nós.

Tudo o mais, o que vivemos, gira em redor deles

Cecília Meireles - V - (Dispersos)


"[...] mas também não pude gostar da arquitetura da igreja, 

e fiquei triste, porque a melhor coisa da vida

é poder-se amar e admirar.

Cecília Meireles - "O miraculado" 

(Crônicas de viagem)


Faz muito tempo que não sinto vontade de ler o que escrevo. Quando eu era adolescente, ou mesmo criancinha, eu adorava escrever pra depois reler. Hoje, aos 43 anos, minhas circunvoluções mentais continuam...  Entretanto, tenho sentido um despender de vitalidade imenso quando tento reproduzir concretamente o que penso ou sinto.  Ainda assim, escrever é uma paixão. E paixões caminham lado a lado do ‘gostar’. E gostar me faz bem.

                Pra variar, tenho convivido comigo. Aos poucos, de outro jeito. Constantemente me reconhecendo um pouco –  E, pra variar, na percepção lenta de que o plano de ‘me conhecer’ consta em seu vigor vitalício (bobagem ter pressa!)

 

                Às vezes canso a mim mesma. Estou andando pelos cômodos da casa. Sei lá, fazendo uma atividade qualquer. E, subitamente:  cansada. Precisando urgente de uma pausa para digerir algo invisível ... (fui ensinada que não é bom comer em pé). Ou quando estou lavando o rosto, por exemplo, outra vez, uma hecatombe de cansaço. Um despenhadeiro, uma avalanche, uma maratona recém percorrida sem qualquer tipo de preparo anterior. Preciso parar. Fechar meus olhos. Esperar.

                Lembro que meu pai, quando pegava um nenenzinho no colo, (ele gostava de bebês) se divertia quando o ser pequenininho, de repente, começava a olhar pro nada. O reizinho ali, paparicado por todo mundo, todos à espera de alguma gracinha, alguma gargalhadazinha sua, e, súbito: absorto! Era quando meu pai dizia: “ Ih! Pasmou!”

Era tão bom ver e ouvir aquele comentário. Ainda hoje, sorrio comigo quando me lembro da cena. E gosto de me entreter ao pensar que aquele bebezinho constatava sua condição mortal, longe de estar bem adaptada na vida.  (O bebê já se cansava?) Era um infantil pasmo metafísico aos olhos divertidos do meu pai!

Hoje, sinto que talvez eu seja meio parecida àquele bebê: uma pasma súbita.  Subitamente cansada e tragicamente esperançosa (e quais eram as esperanças daquele nenenzinho?)

Posso adivinhar os olhos sorridentes do meu pai em algum lugar...