segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Reflexões foliãs

"Carnaval, carnaval, carnaval... Fico triste quando chega o carnaval..."




Se me perguntarem se estou animada para o carnaval, responderei sempre que sim.  Afinal, todo ano venho fantasiada de quaresma antecipada e, para corresponder ao quesito "originalidade", é preciso caprichar na aura 'Quarta-Feira de Cinzas' antes mesmo de rumar para a apoteótica melancolia da 'Sexta-feira da paixão'!

O fato é que - por infelicidade ou  inconveniência de consciência - tenho mais facilidade para constatar a efemeridade das coisas nessa época de carnaval (aliás, creio que isso não seja nenhuma novidade). Mas, quem disse que procuramos por ineditismos?

Olho para a urgência da felicidade organizada nos blocos, para o decreto da pressa da euforia.
Para o resto frouxo das serpentinas penduradas, para os solitários copos plásticos semi-inertes pelo chão.
E os confetes  sempre estão pingando por toda a parte a nostalgia da sua passageira especificidade...

Minha alma é aquela imensa alegoria enguiçada cheia de Pierrots sentados. Ela se põe entre o devir e a conclusão da festa, bem no ermo da folia.

Não  fujo mais desta fantasia e assumo aqui o despojo das minha máscaras, a cadência soturna das minhas marchas.

Sou  também fogo de purpurinas amarelas, azuis, furta-cor. Mas, não hoje!
A mim resta perceber agora o peso secular da chegada destas terças-feiras gordas, naturalmente tão prenhes de significados.



terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Anti-último

Um espinho de roseira
Entrou há tempos e rasga ainda
aos poucos.
Hora pára.
Hora medra secar
e desaparece.
Hora volta
ludibriando a cicatrização frágil
que nunca se deu.
Noto os dias em que a ausência parece definitiva em mim.
até de uma alegria  tipo macchiato
Fico então feliz macchiata
tipo maré baixa.
Mas, mas...
desvirtuo o sagrado das promessas
se escuto uma canção qualquer
que lembre.
Que num dia europeu ouvi falar de um nome. E tudo se desfaz.

Sinto-me a última sozinha
De uma solidão sem portas.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Estrangeirices


"Às vezes me apaixono por uma cor e passo a viver dentro dela. É esquisito, hein? E quando compro um vestido ou um outro enfeite, nunca é pelos motivos usuais: é sempre por uma maluquice dessas." 
(Cecília Meireles em A lição do poema. Carta  a Armando Cortes-Rodrigues. Carta de número 64)




Acho que não é somente  uma sensação pessoal me sentir de vez em sempre forasteira.
Há de existir muitos seres humanos que se sentem participantes de lugar nenhum neste planeta Terra.
Caminho.
Encontro pessoas. Encontro pessoas? Tá, tudo bem. Encontro pessoas! Pessoas agindo de formas absolutamente estranhas em relação ao que considero relativamente conhecido.
Ou talvez seja eu aquela de formas absolutamente relativas frente a todos esses estranhos conhecidos?

Hum!

O fato é que hoje à tarde olhava para a grama crescida do meu jardim. O vento pendia aqueles fios verdes que mais pareciam cabelos lisos e verdes e rebeldes para o alto... O sol. O céu que a todo momento mudava de opinião em relação à chuva, às nuvens, ao azul...

É...

"Sinto-me nascida (licença, Pessoa) a cada momento para eterna novidade do mundo" ! 
Sempre! 
E constatar a importância dessa sentença pra mim ajuda na aceitação de me flagrar por vezes e vezes no mais completo e  puro estado de embasbacamento!

Então, para honrar meus pregressos, atuais e futuros estranhamentos nessa Terra, resolvi me lembrar de algumas atitudes e pensamentos estranhos que me visitam. Uns com alguma frequência, outros nem sempre aparecem... Mas, independente do número de vezes que eu os percebo, eles estão por aí! Firmes e fortes na intenção de me dispersar! Então:

Estrangeirice nº1:
Ao comer mamão papaia percebo que, embrenhando-se na polpa da fruta,  a colher faz nascer um movimento semelhante às grandes ondas antes da arrebentação. Sim! O movimento da colher no mamão papaia sempre me dá onda de mar da cor alaranjada! E eu adoro isso! (Estranho, não?)

2. Estrangeirice nº 2: 
O pó de café molhado no filtro da cafeteira é igual a barro escuro ou a chocolate liquefeito! Quando se parece a barro escuro, sempre acho que daquele pó de café molhado sairá uma minhoca ou algum broto! E quando se parece a chocolate liquefeito, tenho vontade de colocar aquele pó de café molhado na boca ou aproveitá-lo na massa de algum bolo que sei que não irei fazer porque não gosto de cozinhar. (Mas, a ideia do bolo não deixa de ser bonita e nem menos bizarra.)

3. Estrangeirice nº3: 
Desde criança, o fato de tirar o sabonete do invólucro  sempre me  faz lembrar de picolé de côco cremoso! Bem, já sei que sabonete Lux Luxo não é nada saboroso, pois aventurei-me a prová-lo lá pelas casa dos 8 anos e não gostei! Definitivamente,  a velha questão da essência e da aparência nesse caso! (Papo de maluco).

4. Estrangeirice nº4:
Ao lavar uma peça de roupa à mão, o contato da roupa com a água, mais o sabonete me mostra certas ondulações sutilmente oleosas. Ficam ali alguns caminhos naquela água, caminhos semelhantes  a longas serpentes aquáticas e transparentes. Mas, tem que prestar muita atenção pra ver! É mais fácil quando em água quente ou morna! (Interna!)

5. Estrangeirice nº 5
Para mim, a diferenciação da personalidade dos livros também se dá pelo cheiro. Livros espessos e de letras miúdas podem ter frases impressas em odor mais grave, enquanto que o cheiro dos poemas amados tem grandes chances de emanar de suas rimas perfumes longínquos e estranhamente conhecidos. (Do simpático nada a ver com nada).

6. Estrangeirice nº 6:
Voz de cantor e cantora tem cor! Assim como pode ser opaco ou brilhante o som de um instrumento musical. Na música "Tenha calma", por exemplo, o som do trompete tem  cor de ouro envelhecido. E a voz da cantora Maria Bethânia tem cor de prata enluarada. É perfeito o encontro dessas duas nuances! (Piração na batatinha e viagem na maionese total).

Certamente, há de existir estrangeirices muitas que eu ainda nem tenha percebido. Outras serão inéditas, bem ao gosto do momento do velho sentir-me forasteira por estas terras. 
E, aliás, em matéria de estrangeirices, todos nós nos correspondemos, não é mesmo? Como já bem disse minha mamãe Cecília Meireles:

"Quem deseja me ouvir nestas paragens
onde todos somos estrangeiros?"

Resultado de imagem para ornitorrinco