quinta-feira, 5 de setembro de 2019

À Besançon

(Je relis ce que j'ai écris là-bas)

Le temps aussi a une Apparence, à l'intérieur
de quoi s'ouvrent d'autres intervalles 
que ceux que comptent habituellement nos horloges et nos calandriers.
Et dans ces profondeurs-là
passé et présent se confondent avec avenir...
Il suffit d'y entrer.



(Serge Desvignes)

Besançon, le 27 juillet 2019

Je suis seule. Et pourtant, mon être ne l'est pas.
Il me semble que j'ai rencontré mes proches. Et là, je parle des gens qui pour moi sont aussi l'espace. Et l'air. Et la terre. Et l'eau.
Mes larmes sont ces gens que j'aime, ce monde plus semblable à moi-même...
Je ne sais rien de tout.
J'éprouve de l'amour.

Maintenant, le Brésil est le pays où je visite et Besançon c'est ma ville. (Besançon l'a toujours été ma ville?) Je ne sais rien de tout.
Je ressens.
Le vent,
les arbres, les feuilles,
le rythme de la journée...
Tout ça c'est moi...
Et je me sens si remplie qu'il me semble que je transborde. C'est fort!
C'est nouveau et si connu depuis longtemps.
Je ne sais rien...
Je ressens.

Illusion ou pas,
Besançon: où le monde est plus possible pour moi.





quarta-feira, 10 de julho de 2019

Se

Se eu lesse as declarações
de todas as melancólicas...

E entendesse das bucólicas
das bússolas avariadas

E decorasse tratados de paz,
esquecidos no arquivo-mor
das leis caídas por terra

E decifrasse os enigmas dos elos perdidos
dos violoncelos,

Brincando de fantoche
feito em madeira de lei,

E detivesse um voo inconcluso,
Fazendo dobraduras com meia lua de papel de seda,

Sinfonia inacabada,
Que nenhum dó, ré, mi, fá, sol pra lá detrás do tempo,

Mesmo um si,
Seria insuficiente
Pra deixar
O visto negado do que ainda sinto

Por cima de ti,
nenhuma claraboia de marfim
filtrou o breu de sal
do meu amor.

segunda-feira, 13 de maio de 2019

O Clube do Cansaço Simbolista




_ Está aberta a assembleia dos membros do "Clube do Cansaço Simbolista". Com a palavra, o senhor diretor em constante estado de espírito ausente. Não, senhores, o senhor diretor não se expressará fazendo o uso ordinário das palavras. Ele prefere a eloquência do silêncio.

(Silêncio longo)

_ Alguma pergunta? O senhor de andrajos imperais ao fundo do recinto me pareceu querer se expressar?
_ Não! De modo algum. O movimento que fiz com minhas mãos foi meramente contemplativo. Ando refletindo sobre a estética natural dos dedos esquerdos, sem que esses estejam adornados de anéis. Os anéis se foram com a fortuna perdida e só me ficou mesmo a nua companhia de meus anelares...
_ Entendo perfeitamente, senhor! Mas, peço o obséquio de ater-se mais atentamente a seus gestos a fim de não confundir essa assembleia já por si mesma dispersa.
_ Ah, sem dúvida! Peço desculpas!
_Desculpas aceitas! Na verdade, queira o senhor perdoar meu tom autoritário... Certamente, seu ato contemplativo desperta maior interesse do que minhas intervenções controladoras. Aliás, acrescento que os gestos de suas mãos contribuíram em muito em prol dos nossos propósitos.
_ Imensamente agradecido, senhor!
_Não há de que!

(Novo silêncio)

(Após certo tempo)

_ Escuto um assovio...
_ Perdão, caro colega à esquerda de quem passa e jamais nota! Quer se colocar?
_Digo que ouço um assovio!
_Pois não?
_ Sim... Talvez um assovio cantarolantemente interno, cuja intenção rememora as belas sinfonias dos tempos idos.
_Interessante colocação, senhor (acrescenta um deles a segurar uma lira quebrada de cordas enferrujadas). _ O senhor me fez rememorar as belas palavras de Villiers no conto "Véra"... (pausa para hesitação). _ Gostaria tanto de me lembrar delas com precisão, mas, como vivo constantemente embriagado de virtude,  minha memória se coloca feito um cálice cheio de esquecimento.
_ Imensamente grato por sua observação desmemoriada, caro amigo! Afora o esquecimento, a correspondência é o que importa!
(Ambos sorrisos cúmplices e melancólicos)
(Novo silêncio) (Após certo tempo) ...
_ A resposta é não! (diz um outro membro deitado no assoalho em decúbito dorsal e de cabeleiras negras esparramadas ).
_ Como disse, senhor?
_ Disse que a resposta é não. Creio que a alma dos violoncelos não é levada com o grito de uma corda que se rompe! A resposta é não para o questionamento de Villiers.
_ Concordo com o caro colega - acrescenta outro membro que mais parece o fantasma do antigo regente da "Filarmônica do Eterno Réquiem".
 _ A alma dos violoncelos com a corda que se rompe não é levada, mas queda-se na errância da eternidade dos tons menores ou, talvez,na obscuridade de certos "Noturnos" magoados com a indiferença de algum ouvido solar...

(novo silêncio)

Então, a assombração de uma dama de olhos naufragados erra pela porta da direita, prenunciando o fim da sessão de mais uma assembleia do "Clube do Cansaço Simbolista". Carrega em seus braços um ramo de palmas brancas já esmaecidas, à guisa de uma ata inconclusa. Todos se levantam, mas, resistem em suas posturas de "Não".
E sentam-se outra vez sobre a desesperança resultante de todas as convicções irremediavelmente inabaláveis.

***


Literatura incidental de principal importância:
O poema "Embriagai-vos" de Charles Baudelaire.
O conto "Vera" de Villiers de L'Isle-Adam

sábado, 20 de abril de 2019

Impressões incertas sobre o século XXI

     ÀS VEZES, me pego repetindo em voz alta no pensamento: "_ Nasci no século passado!" Ou melhor: "_Nasci no milênio passado!" Quando esta constatação me visita, provavelmente estou assombrada por alguma coisa que considero ser do século XXI, período no qual me encontro no momento, mas que dele não me origino. Bem, pra dizer a verdade, acho que o século XX também não é bem meu número! Não sei... às vezes, tenho a impressão de que talvez o século XIX faça mais meu gênero. E, quando digo "gênero", creio que eu me refira ao grupinho de pessoas variadas ao estilo dos pronomes indefinidos! Mas, talvez isso também seja somente outra suposição.

     Na infância e adolescência que experimentei no século XX, tive a oportunidade de conviver com pessoas mais velhas do que eu. E quando digo "pessoas mais velhas" me refiro à gente que - segundo minhas aspirações da época e de hoje, tinha muito a contar e a mostrar. Era um tempo em que me davam a conhecer músicas de sua época que, embora me parecessem estranhas num primeiro momento, logo depois eu já me flagrava cantarolando algum trecho confusamente memorizado. Nessa época, ocorria com frequência a escolha de tomar assento para se por ao silêncio. Um silêncio que, num curto período de tempo (ou não), seria ornado de música. Desde a infância e a adolescência, quem estava no mundo bem primeiro do que eu me ensinava que música tem a idade do tempo. E que nós somos os que envelhecem e morrem. Era um tempo que tenho a impressão de que os jovens estavam mais abertos a conhecer o que os mais velhos ensinavam. E, de sua parte, os mais velhos pareciam mais abertos a dar continuidade às belezas que os seus mais velhos tinham ensinado. Essa era a maneira pela qual eram preservadas as verdadeiras heranças de família (segundo minhas aspirações na época e de hoje). Mais do que broches de madrepérola e pingentes de ônix em cordões de ouro branco, cabia a cada membro da família o direito a seu quinhão de memória. E essa é a herança inesgotável, visto que sempre é generosa de acordo com a escolha.

     Hoje, passados quase vinte anos desde o início do século XXI, começo a primeira infância do meu envelhecimento. Assombro- me facilmente com a quantidade de pessoas e de coisas caducas! Quando digo "caducas", refiro-me ao predomínio quase completo da visão fechada, somente restrita ao que o futuro tem a mostrar. E hoje, para mim, "futuro" consiste na constante atualização do imediato que está prestes a acabar, ordenando que somos e estamos atrasados o tempo todo. E tudo torna-se velho demais, antes mesmo de virar conhecido. Também nesse novo século, nunca vi tanta insatisfação e tédio almoçando juntos, perdidos na amostra feliz de suas aparências para uma nova atualização que se desenrola do que já acabou de desaparecer. E todo mundo parece ter grande urgência em se entreter de um prazer instantâneo em dose cavalar intra-venosa! 
Novos ainda muito jovens, velhos ainda mais jovens parecem mostrar uns aos outros o que é lhes interessa individualmente. E no quesito "a mais nova demonstração do atualizado",  ninguém parece ver o que realmente se passa (velozmente).

    Às vezes, me pego repetindo em voz alta no pensamento: "_ Nasci no século passado, ou melhor, no milênio passado já me sentindo atrasada não no relógio, mas, no conhecimento verdadeiro!" Porque da modernidade da vez que se me apresentou e se apresenta, eu tão pouco fruí do atemporal... Hoje, sinto-me ainda mais caduca com minha atualização já prestes a expirar... Porque, na verdade,  eu intuo, ou melhor, eu sempre intuí que a grande herança é, aliás, algo bastante contemporâneo: há pouquíssimo tempo para se atualizar nas novidades da velha eternidade que nos resta! E dela aproveitamos tão pouco!

sexta-feira, 12 de abril de 2019

Colóquio entre as variáveis de uma unidade

                                                                "La danse" - Matisse



Eu preferiria compreender bem a mim mesmo 
a compreender Cícero
(Montaigne)



Comunicação, não violência são experiências que têm me visitado com muita frequência ultimamente. Posto que disponho de algum tempo livre inesperado.
Sempre achei que soubesse colocar o tempo livre a meu gosto, mas, na verdade, descubro que não. E descubro que sim e que talvez. Mas, que, definitivamente, sempre permiti que colocassem meu tempo onde não o haviam chamado. Então, disponho do meu tempo livre inesperado de maneira a descobri-lo sob outros ângulos - os ângulos das muitas partes que tenho sido.

Existe em mim um pilar. Mas, muitas cadeias de montanhas. Montes, colinas e vales. E depressões seguidas de cumes. Planaltos e planícies de espera. Um ser que isso tudo escala e outro que dele tomba. Uma parte que deseja o ápice do rarefeito e  outra que o rejeita. Uma e outra, às vezes,  discutem se o sexo dos anjos é mesmo a androginia. O que não tem nada a ver com a conversa inicial. Mas, tudo bem!

Não tem  problema algum se alguma parte minha tiver o hábito de doer e se a tal, como os polvos que adornam o lugar onde se escondem com a ajuda de conchas,  enfeitar seus hematomas existenciais com suítes de Bach, sonatas de Beethoven ou noturnos de Chopin.
Sem grandes problemas se outra parte puser-se surda perante alguns acordes amados. Ou se estiver muda em algum momento e não mais ler em voz alta a palavra "marítimo". Tudo bem!

E se outra parte quiser se sentar? Sem grandes queixas!
E se chegar outro alguém que sou e quiser chorar pelo fato de não compreender a intenção da solidão de todo dia? Tudo certo!
Tudo bem se uma parte quiser desistir? Sim!
E  outra continuar tentando? Também!
Uma parte que sou jejua! Mas, outra se entorpece de "vinho, poesia ou virtude". E parece que todas constatam o peso que é viver, sem contudo se importar de permitirem que a sensação passe, abra a porta principal e tome acento na poltrona predileta de frente ao pôr-do-sol.

O tempo livre  que aprendo experimentar me propõe frequentar ante- salas e coxias. Talvez jardins ou mesmo palcos de folhas secas. Bosques de refletores apagados. E novos jardins dispersos.
E tudo torna-se um acolher enorme dessas possibilidades. A toda hora. Em qualquer lugar ou tempo.
E tudo fica certo de novo, ainda que eu não saiba ao certo o caminho correto de ida e volta para mim.
Tudo bem em sumir e aparecer que no que tenho sido.  Porque, nas conclusões provisórias,  há paz em ser tudo que sou.
Há paz na mudança de ser eu mesma.

*
Ps: Quando uma parte estiver desabando por completo, sugestão de escuta: "Noturno em C menor" - Chopin. Para a delicadeza de uma melancolia muito bem trabalhada: "Suite Francesa n. 2" - Bach. E tem também "A Passionata" do Beethoven que cobre com manto sagrado qualquer desespero! :D

quarta-feira, 27 de março de 2019

"Solar dos últimos"

Há muito tempo que não escrevo neste espaço... Às vezes sinto muita vontade de recuperar este hábito que nem era tão pontual assim. Mas, muitas coisas acontecem e nosso serzinho responde às mudanças com muito vagar. É aí que as ideias colocam-se perdidas, coitadas. Ou confusas. Ou cansadas porque o racional constata - tragicamente - que sempre foi metido à besta, mas, bastante manco.
Hoje, vasculhando por alguns guardados, encontrei um texto escrito em maio de 2018! Texto pelo qual senti muita simpatia. Decidi, então, colocá-lo aqui. Pelo mundo. Pelo mundo? É... por essa espécie de mundo...

Ps: Advirto que não terminei o Livro do desassossego e que nem pretendo fazê-lo! Pretendo sim retomar a leitura da joia qualquer dia.



“O solar dos últimos” (como o entendo do Livro do desassossego)

Onde se encontra o “Solar dos últimos” em minha mente? Esse lugar tão simpático? Acolhedor, todo ornado de desilusões? Com seus personagens múltiplos? Colecionadores de mágoas doces que se esqueceram nalgum canto despercebido?
No “Solar dos últimos” há tantas teias de aranhas de várias cores e idades. Colecionam lá estes tules. De tamanhos e formas singulares. No “Solar dos últimos” existem também muitos casarios em ruínas. Alguns outros com portas e janelas desbotadas, mas sempre fiéis aos tempos. Existem também algumas ruas, ladeadas por árvores – como num ‘repouso’ para os perdidos. Aqueles que se esqueceram de serem eficazes. Que não se lembraram de tirar o primeiro prêmio, a última condecoração, a medalha final a ser pendurada nesses galardões sozinhos. Coitados! Sempre tão menores do que as paredes!
Cabem no “Solar dos últimos” as que nunca esposaram alguém e que nem por isso se desfizeram de seus vestidos de noivas: rotos, amarrotados. Só tudo envelheceu: menos a espera. Portanto, as grinaldas desfalecidas combinam com o grisalho áspero dos cabelos em desalinhos e trançados. Essas loucas dançam e sempre mantêm os olhos para cima, como para tocarem, alcançarem mesmo o último adeus.
Existem também os alfarrabistas. Afeiçoados ao número de buracos das páginas. A cada dia que passa, uma escavação que a traça fez. E o que seria da cadeia alimentar dos pérfidos se as letras jamais fossem comestíveis? No “Solar dos últimos”... No “Solar dos últimos” se comem pães amanhecidos, anoitecidos e auroreados! A água pode estar com lodo, mas é sempre fresca! E, desse verde que nem sempre é fatal, murmuram formas fantasmagóricas, desfazendo-se em ritmos fluidos, em danças de mãos de bolor, braços esguios de fungos aquáticos, excêntricas plantações... A última denominação das fadas verdes.
*
As almas encontram-se numa das salas, dentre tantas salas num dos casarios do “Solar dos últimos”. Até para a descrição desse encontro, a poesia não medra com tanta desenvoltura. É a comoção que faz tremer o que se pensa. As almas só sabem sentir como dentro de um corredor que as direciona para um grande altar de uma catedral inconclusa. Clara-escura, clara-escura. Vazia. Onde há bancos onde nenhum penitente ou contrito se senta. Onde não existem joelhos que sustentam votos, nem arrependimentos. Encontram-se. Colocam-se em pé. Ao lado de algumas estantes à espera de alinhos, arrumações, memórias preservadas. E é tanto zelo com que lidam com os alfarrábios. Com os dizeres. Belas. Peculiarmente sem igual. Inesquecíveis à sua maneira. Vêem-se, sorriem uma para outra daquela forma habitual a seus modos. Sorriem, como quem oferece uma flor colhida pelas mãos de uma criança que esteve a passeio por alguma rua solitária. O presente é partilhado com grande comoção. Com a tristeza inconfessa de um lembrar que ainda é tão indiscernível.

              O convite para a ajuda em arrumar. E uma das almas,  em grande amor, anda cansada de pensamentos. As estantes, os instantes são calabouços. Preferindo somente estar. Assim, multiplicam-se em si mesmas, se enumeram em várias ações e gestos que tanto evocam! Olham-se. E isso é o dia mais feliz que descrevem. Estão tão ali. Sorrindo uma para outra. Os livros, o sagrado da poeira, as mãos tingidas de eras, séculos e de tanta memória.
“_Não quer mesmo ajudar?”
“_ Estou cansada! Posso somente estar? Mas, de que forma eu talvez ajudasse? Há algum belo que não seja de papel e pensamento? Letras e atenção de olhos? Circunvoluções de razão?"
“_Há o belo dos cristais. Taças, cálices, rubis, prateados, posições azuis e vítreas que esperam a consagração do lugar ideal! Pode?” 
_"Sim! Eu posso! Eu ajudo com todo o meu amor. "

E ficaram assim no “Solar das almas últimas”. A sós com as bodas eternas de suas desesperanças que, definitivamente, se colocaram em paz.