sábado, 26 de novembro de 2022

A prima Estrela

 Desde criança, quando ela nos visitava no interior, sempre pude enxergar sua estrela. Pois era um rastro luminoso de vida que acontecia.

Embora o amor se chama Rosa, Elisa sempre foi um deslumbramento. Amava e amo seu perfume. Seu sorriso vivo, seus lábios escarlates, suas unhas em combinações rubras, intensas e de novo vivas.

Houve uma tarde de chuva repentina. Houve um saco de supermercado como chapéu na cabeça, retornando pra casa da avó. Risadas de criança pela rua! Houve alegria. Houve vida outra vez. Houve muitas visistas às suas primas e eu, criança, me sentia participante de sua vida. Me sentia viva junto de você.

Sua visita sempre me foi um presente de alegria. E de novo o perfume inconfundível, a beleza singular. De um estonteante simples, ágil, sorridente, sonoro, bondoso...

Depois de algum tempo, Elisa Estrela modalizou esse brilho todo. Mesmo a desilusão, a meu ver, perdia terreno quando a ela fazia companhia constante. Numa ocasião, momento em que fui eu a visita em sua casa, de retorno pro interior, chorei muito. Pois era cúmplice o sentimento de orfande e de abandono. Quis tanto que seu percurso incandescente fosse outro. Mas, o que sei eu sobre sua vida, Elisa Stela Estrela?

Creio que nunca verei tanta vida de novo em alguém. Tanta intensidade e franqueza. Tanta entrega. Por isso, as lágrimas calam minha garganta que,  dolorida e muda, vai me modificando outra vez.

Quero que saiba que a amo. Que sempre a  amei. E que pra mim, você é a prima mais legal. Embora, o amor tenha o nome de Rosa Maria.

Em meu ser o seu perfume. Em minha vida a sua intensidade brilhante, tragicamente divertida. 

Maravilhosa de tão brilhante!

Eu amo você. Até o derradeiro ano-luz desse meu existir pequenino, humilde, desamparado no momento. Eu amo você, prima Elisa Stela Estrela.

Obrigada por incandescer a minha vida!

Sua,

Marcinha.



quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Devaneios

 Estar mais consciente de minha inerente condição de exílio... Optar por ela. Conhecê-la mais a fundo.

Desde que me conheço por ser, conheço bem os aspectos sombrios e dolorosos dessa jornada. Sempre me deixando envolver somente pelas sombras, sem que calmamente eu optasse por conhecer novs aspectos dessa experiência. Outros silêncios chegam agora até mim.

Ficar na autocompanhia, como ensina Montaigne. Só que sem teorias. Ora absurdada, ora esclarecida, ora temerosa,  ora triste, ora brava, ora renascida. Conhecendo em mim o que um dia conheci lendo.

Talvez algumas maravilhas incandescentes aparecem-me num instante. Os ramos festivos dos pinheiros. Seus velhos braços familiares revisitados sob ângulos nublados, frescos, internos... Por que perder isso? Não! Agora insisto em esperar e continuar meus movimentos neste percurso.

Reassumir apressadamente personagens infantis e sênis, sob o teto conhecido do meu lar talvez seja desertar. Pois optar por  única via, talvez me seja restringir.

Opto por reverenciar a exilada. A que anda, caminha, a que vaga, vaga aprendendo-se no mundo que é grande. Tão grande! Tão vasto. E passageiro em meus recônditos.

Aceito solenemente, a dádiva doidivanas
do que sou!


Obrigada por brincarem comigo.

Araraquara, 22 de setembro de 2022

                                                     

quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Instantâneo

 Meteorologia interna do momento:

faz sol. Doce. Aqueles raios amenos na imaginação.

Diria um sol do fim dos tempos. Trombetas em algum lugar.

mas faz silêncio.


Não é sol do meio dia. Nem tampouco de amanhecer.

É sol de hora nenhuma. Aquela volta do ponteiro inexistente.

É bom.


De repente, aquela nuvem... aquela!

Não é nuvem de chuva. Não é nuvem esperançosa. Não é nuvem de nada.

O céu foi inventado também

e apagou-se por alguns instantes.


Ah! que medo dessa nuvem velha conhecida. Tão velha quanto o tempo que me desconheço.

Talvez seja malsã: diz a imaginação

Talvez não.

E eu é que sei?!


Sei que é aquela nuvem que me põe medo porque sei que aí vêm minhas perguntas.

E aquelas tentativas de "eu estou bem!" "eu estou bem!" "eu estou bem!" "Cadê o sol"??? "Cadê o soooollll?"

Venta num suspiro. Com raspas de limão.

Espera o olhar apoiado no cotovelo esquerdo.

Calmaria

Até já esqueci se vai chover.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

O novo normal

 

Descendo embarcados num carrinho de ‘Montanha Russa’ enferrujado:

sem paisagem do alto,

com o trilho todo encarquilhado,

e a criança sozinha, sem cinto de segurança.

 

Isso tudo é, de certo modo, algum tipo de adrenalina reversa?

segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Ih! Pasmei!

 Mas por que sempre lembrar essas coisas longínguas?

A verdade, porém, é que há uns dias inesquecíveis,

uns fatos inesquecíveis, dentro de nós.

Tudo o mais, o que vivemos, gira em redor deles

Cecília Meireles - V - (Dispersos)


"[...] mas também não pude gostar da arquitetura da igreja, 

e fiquei triste, porque a melhor coisa da vida

é poder-se amar e admirar.

Cecília Meireles - "O miraculado" 

(Crônicas de viagem)


Faz muito tempo que não sinto vontade de ler o que escrevo. Quando eu era adolescente, ou mesmo criancinha, eu adorava escrever pra depois reler. Hoje, aos 43 anos, minhas circunvoluções mentais continuam...  Entretanto, tenho sentido um despender de vitalidade imenso quando tento reproduzir concretamente o que penso ou sinto.  Ainda assim, escrever é uma paixão. E paixões caminham lado a lado do ‘gostar’. E gostar me faz bem.

                Pra variar, tenho convivido comigo. Aos poucos, de outro jeito. Constantemente me reconhecendo um pouco –  E, pra variar, na percepção lenta de que o plano de ‘me conhecer’ consta em seu vigor vitalício (bobagem ter pressa!)

 

                Às vezes canso a mim mesma. Estou andando pelos cômodos da casa. Sei lá, fazendo uma atividade qualquer. E, subitamente:  cansada. Precisando urgente de uma pausa para digerir algo invisível ... (fui ensinada que não é bom comer em pé). Ou quando estou lavando o rosto, por exemplo, outra vez, uma hecatombe de cansaço. Um despenhadeiro, uma avalanche, uma maratona recém percorrida sem qualquer tipo de preparo anterior. Preciso parar. Fechar meus olhos. Esperar.

                Lembro que meu pai, quando pegava um nenenzinho no colo, (ele gostava de bebês) se divertia quando o ser pequenininho, de repente, começava a olhar pro nada. O reizinho ali, paparicado por todo mundo, todos à espera de alguma gracinha, alguma gargalhadazinha sua, e, súbito: absorto! Era quando meu pai dizia: “ Ih! Pasmou!”

Era tão bom ver e ouvir aquele comentário. Ainda hoje, sorrio comigo quando me lembro da cena. E gosto de me entreter ao pensar que aquele bebezinho constatava sua condição mortal, longe de estar bem adaptada na vida.  (O bebê já se cansava?) Era um infantil pasmo metafísico aos olhos divertidos do meu pai!

Hoje, sinto que talvez eu seja meio parecida àquele bebê: uma pasma súbita.  Subitamente cansada e tragicamente esperançosa (e quais eram as esperanças daquele nenenzinho?)

Posso adivinhar os olhos sorridentes do meu pai em algum lugar...