sábado, 29 de maio de 2021

Encantamento

   Há muito tempo que não publico texto de qualquer natureza neste espaço Imaginópolis... Tanta coisa se passou, e ainda perdura. Outras coisas ainda nem pararam de acontecer - o que, teoricamente, eu disporia de maior tempo para a elas me adaptar. Mas, de fato, tocamos aqui numa questão única e exclusivamente de teoria.

Senti vontade de escrever e de me expressar, a partir de um profundo sentimento de perda. Não é novidade pra mais ninguém que a morte nos vem sendo um assunto mais assíduo, ou talvez, bem mais aproximado desde o começo de 2020 (ainda que, em nada queremos nos unir ao assunto). E as vacinas, e a falta delas, e a sua eficácia, e os testes, e os complotismos,  e as opiniões, e as politizações, e a irresponsabilidades, e os medos, as incertezas, as tristezas, e os surtos....

...!!.....???.....!!! ...

O fato é que ontem, soube da morte (vítima do vírus) de um ser extremamente importante para minha existência. Embora esta mulher com ares de criança não estivesse diretamente relacionada ao grupo de pessoas da minha frequência, a morte física (sim o espaço é meu e eu escrevo aqui que acredito na continuidade) de Gisele me ensinou que proximidades e lonjuras em nada interferem na grandiosidade do afeto; na alegria em saber da existência de alguém de quem gostamos muito. Estando longe ou perto dela, para mim, o mundo sempre foi mais alegre, sorridente e querido com a Gisele nele.

Gisele - este nome de sonoridade absolutamente convidativa... Sempre achei que, associado à sua dona, nunca esteve tão bem representado!  Nas ocasiões em que pude ver e sentir Gisele, sua presença me fez perceber que algo grandioso se passava internamente comigo. Era que nas ocasiões em que a vi e a senti, pude confiar mais seguramente na benevolência das pessoas que moram na Terra. 

Seu sorriso... a luminosidade de seus olhos sempre me reforçaram o que entendo por bondade. A disposição do seu olhar, do jeito de sua presença angelical -  me foi , na verdade, uma oportunidade para conhecer a beleza clara de ser bom.

Agora, neste momento, sinto vontade de dizer que meu coração se entristece em saber que serei privada dos encontros com  Gi. Que não me serão mais possíveis os momentos  rápidos em que dávamos tchauzinhos uma pra outra;  encontros em que nós nos falávamos com tamanha afeição e alegria! 

Sentindo essa tristeza pensante, experimento a aceitação (ou a dificuldade dela) de que quando alguém amado morre, de formas muito específicas - para o mundo também morremos. E, estando nele, transformamo-nos.  É certo que depois virá a fase de aos poucos absorver mais profundamente novas facetas do existir. Para, enfim, novamente nos redescobrir, nos reinventar, e renascer com cada ausência amorosa que ganhamos. (Fase para um depois.)

No entanto, lenta e hesitante, iniciei o processo de constatar que continuo na vida,  sem a presença da Gisele no mundo.  E meu peito se esvai numa espécie de desmoronamento incandescente. Porque, exatamente agora, reservo-me o direito de achar o mundo menos bonito. Menos encantado. 

Numa tentativa talvez malograda de acolher minha dor, registro aqui que conheci Gisele. Que fui feliz neste mundo por haver presenciado o sorriso emanado de seus lábios, de seus olhos, de seu ser integralmente belo.

Guardo comigo um presentinho que ela me deu: resultado de um belo encontro em que, mais uma vez,  estivemos muito felizes com a presença uma da outra. Uma simpática caneta verde, com um ursinho panda na ponta. Um ursinho forte abraçado a seu bambu: ursinho panda matreiro, leve !  Todo o encantamento condensado ali... Uma caneta também encantada, visto que representa o poder do afeto de quem gentilmente me a ofertou.

Já disse o bruxo João Guimarães Rosa que "As pessoas não morrem, ficam encantadas". No caso da Gisele,  temo dizer que a linda máxima do grande mago foi subvertida: Na vida, Gisele esteve sempre encantada! E por onde esteve, as pessoas brindadas com a sua presença também encantadas ficaram!

Obrigada, Gi, por também ter me encantado! Digo a você, querida, que encantada seguirei pela vida, tentando praticar o que simples e belamente me ensinou: Amar.