sábado, 20 de abril de 2019

Impressões incertas sobre o século XXI

     ÀS VEZES, me pego repetindo em voz alta no pensamento: "_ Nasci no século passado!" Ou melhor: "_Nasci no milênio passado!" Quando esta constatação me visita, provavelmente estou assombrada por alguma coisa que considero ser do século XXI, período no qual me encontro no momento, mas que dele não me origino. Bem, pra dizer a verdade, acho que o século XX também não é bem meu número! Não sei... às vezes, tenho a impressão de que talvez o século XIX faça mais meu gênero. E, quando digo "gênero", creio que eu me refira ao grupinho de pessoas variadas ao estilo dos pronomes indefinidos! Mas, talvez isso também seja somente outra suposição.

     Na infância e adolescência que experimentei no século XX, tive a oportunidade de conviver com pessoas mais velhas do que eu. E quando digo "pessoas mais velhas" me refiro à gente que - segundo minhas aspirações da época e de hoje, tinha muito a contar e a mostrar. Era um tempo em que me davam a conhecer músicas de sua época que, embora me parecessem estranhas num primeiro momento, logo depois eu já me flagrava cantarolando algum trecho confusamente memorizado. Nessa época, ocorria com frequência a escolha de tomar assento para se por ao silêncio. Um silêncio que, num curto período de tempo (ou não), seria ornado de música. Desde a infância e a adolescência, quem estava no mundo bem primeiro do que eu me ensinava que música tem a idade do tempo. E que nós somos os que envelhecem e morrem. Era um tempo que tenho a impressão de que os jovens estavam mais abertos a conhecer o que os mais velhos ensinavam. E, de sua parte, os mais velhos pareciam mais abertos a dar continuidade às belezas que os seus mais velhos tinham ensinado. Essa era a maneira pela qual eram preservadas as verdadeiras heranças de família (segundo minhas aspirações na época e de hoje). Mais do que broches de madrepérola e pingentes de ônix em cordões de ouro branco, cabia a cada membro da família o direito a seu quinhão de memória. E essa é a herança inesgotável, visto que sempre é generosa de acordo com a escolha.

     Hoje, passados quase vinte anos desde o início do século XXI, começo a primeira infância do meu envelhecimento. Assombro- me facilmente com a quantidade de pessoas e de coisas caducas! Quando digo "caducas", refiro-me ao predomínio quase completo da visão fechada, somente restrita ao que o futuro tem a mostrar. E hoje, para mim, "futuro" consiste na constante atualização do imediato que está prestes a acabar, ordenando que somos e estamos atrasados o tempo todo. E tudo torna-se velho demais, antes mesmo de virar conhecido. Também nesse novo século, nunca vi tanta insatisfação e tédio almoçando juntos, perdidos na amostra feliz de suas aparências para uma nova atualização que se desenrola do que já acabou de desaparecer. E todo mundo parece ter grande urgência em se entreter de um prazer instantâneo em dose cavalar intra-venosa! 
Novos ainda muito jovens, velhos ainda mais jovens parecem mostrar uns aos outros o que é lhes interessa individualmente. E no quesito "a mais nova demonstração do atualizado",  ninguém parece ver o que realmente se passa (velozmente).

    Às vezes, me pego repetindo em voz alta no pensamento: "_ Nasci no século passado, ou melhor, no milênio passado já me sentindo atrasada não no relógio, mas, no conhecimento verdadeiro!" Porque da modernidade da vez que se me apresentou e se apresenta, eu tão pouco fruí do atemporal... Hoje, sinto-me ainda mais caduca com minha atualização já prestes a expirar... Porque, na verdade,  eu intuo, ou melhor, eu sempre intuí que a grande herança é, aliás, algo bastante contemporâneo: há pouquíssimo tempo para se atualizar nas novidades da velha eternidade que nos resta! E dela aproveitamos tão pouco!

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