terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Pescadora

Tenho observado que o tempo anda passando por mim, como se escoasse lentamente por uma espécie de duto muito minimamente estreito. Mas, depois, o tempo decide desaparecer, levando consigo meu estreitozinho imaginário - o pobre dele!

O fato é que o tempo parece me convidar - pelo menos ultimamente, para a pescaria. _ E pescar o que? Eu posso a mim mesma perguntar. E um outro lado de mim pode gentilmente ter  a boa vontade de sugerir: _ Pescar o tempo.
Como pescar o tempo do lugar onde me encontro que sou eu? Aparentemente, não tenho linha de pesca, nem vara, arpão, essas ferramentas específicas. Meu ser imaginante deixa cair - talvez quase permanentemente - algumas dicas. Cabe às outras partes de mim selecioná-las. Ou será, talvez, que são as iscas que escolhem as partes de mim com as quais desejam pescar? Eu definitivamente não sei.
O tempo se coloca diante de mim do seu silêncio. Das mesmas formas de todos os dias. Até dos mesmos personagens que sei que vão sendo outros, sem que da minha cegueira eu perceba algo relevante. E eu quero fisgar um peixe! Um tubarão rápido! Uma arraia imensa! Um golfinho! Talvez até uma baleia agora, com minha vara de pescar desprovida de anzol! Com minha vara de pescar que acabo de dizer que não existe! E tem de ser já! Agora! Sem nenhum minuto a mais, ouviu?
(suspiros)
O tempo, diante de mim, com seu silêncio visitado pela voz longínqua dos passarinhos multiplicados nas árvores, me convida a pescar. Outra vez, sem entender, me esforço muito. Me atrapalho com um montão de fisgas de pensamentos saltitantes! Agitados como peixinhos-iscas. Debatendo-se porque não querem ir parar na boca de ninguém... Meus pensamentos-fisgas saltitantes.... Uns até se deixam ser despedaçados em mordidas se nenhuma fome... E ficam lá, reclamando a parte que não mais lhes cabe... "A carne é triste, se é! e eu já li todos os livros!" já dizia o velho e bom belo...
_ Pesca!
Ver todas as horas sem irromper qualquer opinião antecipada e gasta.
Deixar que o ar corra, dance ou brinque nos pulmões - área de lazer para suas acrobacias  que ainda me metem medo.
Sentir que a hora do peixe é calma, impassivelmente independente, e que se eu insistir no encontro com hora marcada, fatalmente eu vou ficar esperando sentada a realização do desejo que me deu os canos (e eu até tinha levado um ramalhete de flores silvestres)
Fazer nada ao fazer. Fazer nada no depois de projetar. Nada. O projeto da pesca em si, se contemplando em bastar.
E ver as florezinhas do mato pelo caminho,
e a visita de algum passarinho, lagarto, minhoca
E a água da chuva serpenteando o beiral da casa para o nunca mais da gota
evaporando-se de tudo que um dia me iludiu e se vai a todo instante.
Permanecer, mudando, sendo a mesma de outro jeito. E ser feliz com isso.
O peixe da pesca vem sendo eu o tempo todo, desde sempre! E eu me distraindo com isca que peixe não morde! O peixe há de vir até mim muito aos poucos. Barbatanas, escamas, calda, olhos, esconderijos sem arpão. Sem fisga besta que pescador cansado de rede deixa apodrecer no meio do caminho do mar.
Na pesca do peixe que sou, nado no silêncio do tempo.
Defronte o mar meu bravio,  sendo dele, me vou esperando, preparando...
na certeza de ir fazendo tudo o que me clareia... Enquanto nada o passar do tempo.

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