domingo, 10 de agosto de 2025

Coração aprendiz

 

"As plantas ensinam mais suaves coisas. 

Elas mesmas não resistem à grandeza do oceano, e entram numa triste melancolia,

feridas pelo vento implacável das praias, 

e oprimidas por esse ambiente salino que o mar propaga tão alto e tão longe."


(Cecília Meireles - "Nossas irmãs, as plantas")




No coração, o mar

Revoltou-se de repente. Pois um ciclone inesperado soprou muito forte.

E a grande onda se precipitou sobre ele. Este coração de criança no jardim de sol, sombra e babosas.


Assustado, mas, corajoso

O coração bateu muito forte. Desesperado. Como um galope cego na estrada da noite sem cor.

Bateu forte

e forte

gritou, entoando o nome do Mestre da Luz de mãos abençoadas e benfazejas.

Gritou seu nome, mesmo se afogando de medo.


O coração botou pra fora de casa o terrível monstro marinho, que nada tinha a ver com seu jardim de infância.

Bastante molhado de sal, ele espera o sargaço diminuir

e, aos poucos, as plantas e as flores retomarem seu curso cíclico e colorido.


terça-feira, 26 de novembro de 2024

Aquele clima

 As emoções. Ah, as emoções...

não são tão criativas. 

Só variação do mesmo tema.


Acordei.

Coloquei alguns baldes novos sob goteiras velhas.

Não! Não consegui reparar o teto da melancolia. Sempre pingando.

E faz frio! 

E está escuro! 

E eu me sinto, novamente, 

sozinha

E a janela se abriu, de novo, com o vento que venta sempre do mesmo lado. Só que mais bravo!


Fui tentar fechar a janela que vi encupinzada em hora tão imprópria. E o que levei foi uma bordoada!


Respiro,

 Fecho os olhos,

Outra vez.

Tudo é ilusão.



domingo, 4 de fevereiro de 2024

sem pé, nem cabeça

 A pequena donzela acredita em certas invenções que a fizeram entender - por via de mão única - o que é o amor. É exigente, em sua expectativa de jovem coração sentinte. Excessivamente magoado, pois o mundo amoroso é outra coisa que descobriu que não sabe.

A jovem dama aprende, lentamente, a caminhar descalça. Disposta da metade do séquito de seus pensamentos fiéis na obsessão por dominar a natureza de tudo o que conhece. Mal. 

Por vezes, esta mulher petite fille deseja o colo soberano de todo o sol no azul. Luz somente para ela. Mas, a luz é de campo e não de jardim. Mãos monárquicas com gesta de roça. Semear, adubar. Tempo certo de colheita.

Cafezal.

Perdeu-se. Desacostumada no não ter. Ou ter de outro jeito. Ser de outro modo é capinar.

sem o esforço de se esperar somente o que sequer... pois tudo é caminho.

sexta-feira, 20 de outubro de 2023

indiferença olfativa

Sinto-me isolada pela incapacidade de não sentir o mundo

pelos seus cheiros.

Sinto-me entristecida. Um pouco desumana. Posto que me esvaio também em desafeto.

Degusto o frio, o quente. Sem mais, nem menos.

Não consigo alegrar-me

tudo é uma interminável indiferença insípida. enquanto espero cercada por este definitivo ornado de nada.

Toda a experiência se encapa de cinza.

Esqueci-me de todas as outras cores. nem me lembro se algum dia existiram mesmo na minha existência.

Me esqueço. Tão sozinha.Inumana. 

Um restolho de pó.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Toque de recolher

 A ansiedade toca sua sirene ensurdecedora.

Possibilidade de bombardeio.

Onde, se tudo se encontra já devastado?

Escombros em ocos imaginários.

Torpedos de canções de ninar.

choros de terra seca.

Pó de barulho

Sobressalto inerte.

meu abrigo de papel celofane

minha solidão se intercala na companhia de toda orfandade do mundo.


sábado, 26 de novembro de 2022

A prima Estrela

 Desde criança, quando ela nos visitava no interior, sempre pude enxergar sua estrela. Pois era um rastro luminoso de vida que acontecia.

Embora o amor se chama Rosa, Elisa sempre foi um deslumbramento. Amava e amo seu perfume. Seu sorriso vivo, seus lábios escarlates, suas unhas em combinações rubras, intensas e de novo vivas.

Houve uma tarde de chuva repentina. Houve um saco de supermercado como chapéu na cabeça, retornando pra casa da avó. Risadas de criança pela rua! Houve alegria. Houve vida outra vez. Houve muitas visistas às suas primas e eu, criança, me sentia participante de sua vida. Me sentia viva junto de você.

Sua visita sempre me foi um presente de alegria. E de novo o perfume inconfundível, a beleza singular. De um estonteante simples, ágil, sorridente, sonoro, bondoso...

Depois de algum tempo, Elisa Estrela modalizou esse brilho todo. Mesmo a desilusão, a meu ver, perdia terreno quando a ela fazia companhia constante. Numa ocasião, momento em que fui eu a visita em sua casa, de retorno pro interior, chorei muito. Pois era cúmplice o sentimento de orfande e de abandono. Quis tanto que seu percurso incandescente fosse outro. Mas, o que sei eu sobre sua vida, Elisa Stela Estrela?

Creio que nunca verei tanta vida de novo em alguém. Tanta intensidade e franqueza. Tanta entrega. Por isso, as lágrimas calam minha garganta que,  dolorida e muda, vai me modificando outra vez.

Quero que saiba que a amo. Que sempre a  amei. E que pra mim, você é a prima mais legal. Embora, o amor tenha o nome de Rosa Maria.

Em meu ser o seu perfume. Em minha vida a sua intensidade brilhante, tragicamente divertida. 

Maravilhosa de tão brilhante!

Eu amo você. Até o derradeiro ano-luz desse meu existir pequenino, humilde, desamparado no momento. Eu amo você, prima Elisa Stela Estrela.

Obrigada por incandescer a minha vida!

Sua,

Marcinha.



quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Devaneios

 Estar mais consciente de minha inerente condição de exílio... Optar por ela. Conhecê-la mais a fundo.

Desde que me conheço por ser, conheço bem os aspectos sombrios e dolorosos dessa jornada. Sempre me deixando envolver somente pelas sombras, sem que calmamente eu optasse por conhecer novs aspectos dessa experiência. Outros silêncios chegam agora até mim.

Ficar na autocompanhia, como ensina Montaigne. Só que sem teorias. Ora absurdada, ora esclarecida, ora temerosa,  ora triste, ora brava, ora renascida. Conhecendo em mim o que um dia conheci lendo.

Talvez algumas maravilhas incandescentes aparecem-me num instante. Os ramos festivos dos pinheiros. Seus velhos braços familiares revisitados sob ângulos nublados, frescos, internos... Por que perder isso? Não! Agora insisto em esperar e continuar meus movimentos neste percurso.

Reassumir apressadamente personagens infantis e sênis, sob o teto conhecido do meu lar talvez seja desertar. Pois optar por  única via, talvez me seja restringir.

Opto por reverenciar a exilada. A que anda, caminha, a que vaga, vaga aprendendo-se no mundo que é grande. Tão grande! Tão vasto. E passageiro em meus recônditos.

Aceito solenemente, a dádiva doidivanas
do que sou!


Obrigada por brincarem comigo.

Araraquara, 22 de setembro de 2022