domingo, 11 de março de 2018

"Da saudade"




A natureza da saudade é ambígua: associa sentimentos de solidão e tristeza, - mas, iluminada pela memória, ganha contorno e expressão de felicidade. Quando Garrett a definiu como "delicioso pungir de acerbo espinho", estava realizando a fusão desses dois aspectos opostos na fórmula feliz de um verso romântico.
   Em geral, vê-se na saudade o sentimento de separação e distância daquilo que se ama e não se tem. Mas todos os instantes da nossa vida não vão sendo perda, separação e distância? O nosso presente, logo que alcança o futuro já o transforma em passado. A vida é constante perder. A vida é, pois, uma constante saudade.
   Há uma saudade queixosa: a que desejaria reter, fixar, possuir. - Há uma saudade sábia, que deixa as coisas passarem, como se não passassem. Livrando-as do tempo, salvando a sua essência de eternidade. É a única maneira, aliás, de lhes dar permanência: imortalizá-las em amor. O verdadeiro amor, é, paradoxalmente, uma saudade constante, sem egoísmo nenhum.



(Cecília Meireles - Crônicas em geral)

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