domingo, 25 de março de 2018

A espera

"L'espérance d'être soulagé 
lui donne du courage pour souffrir."

Marcel Proust


"Cyrano de Bergerac chega mesmo a proclamar
a fraternidade entre o homem e as couves, 
imaginando nestes termos
o protesto de uma delas ao ser arrancada da terra."

Italo Calvino


Há quem espere a chegada de um ônibus, demorando boa parte de seu tempo nessa postura ora sentada ora em pé, mas constantemente entediante. Há aqueles que esperam a chegada de um filho que já nasceu ou prestes a nascer. Há outros tantos que esperam a vinda de um novo amor ou da próxima semana, do outro dia e do milênio seguinte.
Há também os que aguardam o anúncio do próprio nome numa sala de espera onde, na maioria das vezes, existem revistas do último réveillon da celebridade da vez e a televisão a emitir assuntos cuidadosamente aleatórios a qualquer explicação que confira sentido em permanecer ali existindo.
Hoje passei grande parte da minha existência à espera de presenciar o nascimento das primeiras estrelas. Sei bem que essa coisa de 'nascimento' na verdade é duvidosa, uma vez que esses brilhos ficam no céu o tempo todo morrendo, colidindo, locomovendo-se anos-luz na nossa frente. Mas, passei tempo da minha existência à espera daquelas estrelas vespertinas, numa espécie de testemunho desses corpos celestiais mais ousados que, a despeito do reinado do sol (ou do processo de partida dele), não se sujeitam ao breu completo para mostrar seu fogo azul, prata, vermelho, amarelo intermitente.
Deitada, passei tempo no exame da espinha dorsal das antenas nos telhados, admirando a insólita comunicação entre a concretude das hastes de metal e das tais ondas: máximas representações de abstracionismos vários.
Esperei a pressa dos pássaros à procura de abrigos já familiares.
Esperei a velocidade do vôo, temendo a preponderância da treva prenunciada por alguma voz de rapina que gritava de um canto já escuro.
Tudo isso, após colocar-me ao lado de plantas cultivadas ou daquelas partidárias da rebeldia espontânea de polinizações desimportantes, daninhas. 
Por muitos instantes, não vi diferença alguma entre meu existir e o existir de folhas, espinhos, galhos secos e nascentes, pequenos besouros anônimos e dos passarinhos. Aliás, um beija-flor chegou a voar parado bem perto: Absoluto.
Todos acolheram a demora, numa espécie de versão inabitual. E não houve quem não se pusesse no mundo de forma indiferente a apenas estar. Sem qualquer outro propósito. 
Todos estiveram e tornando-se  estão os mesmos outros o tempo todo. 

Em todo o tempo.

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