domingo, 19 de junho de 2016

Ouvir com os olhos, ver ouvindo

"CONSELHO"
Cerca de grandes muros quem te sonhas.
Depois, onde é visível o jardim
Através do portão de grade dada,
Põe quantas flores são as mais risonhas,
Para que te conheçam só assim.
Onde ninguém o vir não ponhas nada.
Faze canteiros como os que outros têm,
Onde os olhares possam entrever
O teu jardim como lho vais mostrar.
Mas onde és teu, e nunca o vê ninguém
Deixa as flores que vêm do chão crescer
E deixa as ervas naturais medrar.
Faze de ti um duplo ser guardado;
E que ninguém, que veja e fite, possa
Saber mais que um jardim de quem tu és —
Um jardim ostensivo e reservado,
Por trás do qual a flor nativa roça
A erva tão pobre que nem tu a vês...

(Fernando Pessoa por ele mesmo)

***

Após ouvir com os olhos versos de Pessoa que veem o que ouço do meu verso,
Gostaria de... não, não quero mais. Já que tua resposta talvez seja rima pobre... metáfora rota...
Não sei mais onde imagino tuas mãos em mim...
É bem provável que eu as imagine feitas no ar que minha memória não apreende...
Não, não gostaria mais de

Meu desejo hesita. O que sinto desiste confuso. Pára. E ali resta.

Meus olhos fixos no cerne de minhas dúvidas.
Aceitando e me perdendo no paradeiro desta escolha triste. Trajada de abnegação  francamente
tecida por fios de falsa alegoria.
Contemplo a vontade de falar-te. Velo a intenção que jaz insepulta no esquife ineficaz do esquecimento.
Te procuro. E te encontro na inércia do meu Amor frio de medo,  defronte para as certezas da desilusão.



Tela: "Os jardins da Villa d'Este" - Karl Blechen - 1830 (National Galerie -  Berlim)

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