sexta-feira, 28 de outubro de 2016

A visita da velha senhora

A senhora apresenta-se novamente: olhos obscuros, lábios circunspectos (que sorriem de um leve arquear superior, ainda que imperceptível).
Como de hábito, vem trajada de negro. Alguma peça da vestimenta esvoaça cinzamente, enquanto a brisa imaginária sopra sobre a cortina inexistente de uma janela recém-inventada.
Sua presença se impõe diante das letras que tropeçam confusas, dada à soberania de quem as observa. Põem-se miudinhas, coitadas, mas persistem.

A grande dama, a visita da velha senhora que não é uma das personagens de Cacilda Becker. Esta dama antiga sempre requer de mim esforço, silêncio e displicência solene.
Acena-me de longe e rítmica se aproxima. Seu cumprimento é sutil e, no entanto, informal. Sabe que somos velhas e grandes conhecidas.
Aquiesce com os olhos baixos a agudeza trágica da minha percepção. Resisto à sua companhia, vegetando-me no corpo renovado pela chuva do gramado: _ Tudo cresce a despeito da estética daninha já florida. 
As árvores deixam-se ver de seus hábitos longínquos: noviças e sorores da ordem Sacro Santa das Clorofiladas. Oração vegetal, missal dos troncos. Penitência dos galhos e o rosário vermelho da contrição.

Retorno, na esperança de que ela já tenha desaparecido. Partida tão invisível quanto a chegada. Mas não: a Melancolia tece como uma parca de seu antigo tear envelhecido. Resoluto, sentencial. 

Do meu imenso respeito, ouso oferecer-lhe um chá: talvez lhe convenha a erva cidreira da ternura pacificadora das minhas infâncias.
Sento-me. 

Ainda hesitante e amedrontada, resolvo então fazer-lhe companhia. Estar com ela.
Encontramo-nos uma frente à outra agora: espelho solto entre a ida e a vinda do meu balanço sozinho.
E a Senhora D. Melancolia parece pacientar para ouvir minhas histórias, fazendo ouvidos atentos, se entretendo de mim.







Nenhum comentário:

Postar um comentário