segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Variações sobre um mesmo tema - o amor


"[...] e o amor me parece menos traído pelo amor do que pela mentira."
(André Comte-Sponville)

Discorrer sobre o amor.
Pensar o amor.
Ousar falar... de amor...
parece-me que a pretensão sempre precede a vontade ou que a vontade sempre se subjuga à pretensão. É como se o texto, coitadinho, antes mesmo de iniciar, já estivesse fadado ao fracasso.
Mas, talvez essa estranha conhecida sensação se deva ao fato de não falarmos mais de amor há muito tempo...

Amor: "fogo que arde sem se ver". E deixemos o acontecimento mesmo assim: imperceptível, despercebido, no mais tardar da situação - sóbrio. Do contrário, seríamos vistos como melosos, chorões, ridículos, carentes, repetitivos, ilógicos. Não que sentir amor descarte todas essas possibilidades! Mas, o problema está em justamente SER tudo isso!E qual louco admitiria uma barbaridade dessas? 

Aqueles que se aventuraram em reconhecer devem ter sido achincalhados ou rechaçados! Pois, um ser em seu juízo perfeito (com compromissos e contas) jamais exporia algo de proporções tão constrangedoras: A necessidade de amor e o medo de não merecer e nem se sentir amado. 
Tal fragilidade é tão escandalosamente vexatória, que sempre se fez urgente esconder sua cara de aberração, seus ares de aborto mal sucedido.

Ser frágil na ordem dos humanos é proibido.
Não devemos demonstrar medo sobre o planeta Terra, sobretudo, quando se trata deste trambolho fora de moda a que chamam de ...aff... Amor! Dessa estupidez que já foi usada em letra de música boa e ruim; que já rendeu pequenas, médias e grandes bilheterias; que já foi até pintado a óleo sobre madeira, guache e canetinha hidrocor; que já inspirou peça de teatro, passando por novela das oito, pra depois servir de trampolim para pornochanchada.
É...Definitivamente já usaram muito o amor!

E quando a coisa fica desgastada, ou trocamos ou inutilizamos a coisa! Porque a coisa fica sobrando e todo mundo está de mãos ocupadas, sem qualquer espaço disponível e muito menos com lugar no fundo da gaveta.
Vai pendurar na parede da sala? Mas, o amor não fica bem nem como papel de parede! Que dirá desarranjado ao lado do sofá suede, atrapalhando o aparador e o art retrô do abajur!
Melhor nem mencionar pra não perder dia de serviço!
Amor: "contentamento descontente" para o qual nunca houve tempo hábil!

Ou talvez, eu nunca tenha me dado conta de que o amor sempre foi visto como acompanhamento para algum objetivo, plano ou até mesmo adereço.
Amor para casar; amor para ter filho.
Amor para não ficar só. Inclusive nas festas de confraternização em família ou com a equipe de trabalho!

Amor erótico, erotizado, erotizável.
Amor irrealizável, não viável, desviável.

Amor: compartimento sentimental em que cabem duas pessoas quando o assunto é matrimônio.
Divisível por homem e mulher, cuja a finalidade da reprodução garante os herdeiros e a preservação da família e dos bens.
De faixa etária compatível entre os interessados, de estatura corporal, cultural e financeira condizentes com o perfil dos participantes.
Amor com ajuste de cor, raça, credo e menu de programação com poltrona reclinável.
Amor: compensação do trabalho com uma contrapartida vantajosa.


Ousar falar de amor parece-me escapar de todo e qualquer tipo de conclusão.
Pelo fato de por a vontade pretensiosa, um texto sobre o amor há de terminar mesmo torto! Torto e desengonçado como é falar dele, concluí-lo.
Só não é mais torto e vergonhoso do que senti-lo.
Amor: "ferida que dói" e que se esconde.


Fonte da ilustração: http://eraumavezcamoes.blogs.sapo.pt/2011/02/14/

Camões e sua Dinamene que foi preterida e relegada ao afogamento, visto que Os lusíadas é uma das epopeias mais importantes da história da literatura ocidental.

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